Associação de Direito de Família e das Sucessões

RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE FAMÍLIA

Regina Beatriz Tavares da Silva

SÃO PAULO – Verdadeira cláusula geral de proteção integral à pessoa humana, a dignidade é o valor supremo de nosso ordenamento jurídico, conforme mandamento constitucional (Constituição Federal, art. 1º, inciso III).

Nas relações familiares acentua-se a necessidade de tutela daquele valor, já que a família deve ser havida como centro de preservação da pessoa, da essência do ser humano, antes mesmo de ser tida como célula básica da sociedade.

A preservação da dignidade opera-se especialmente por meio da proteção aos direitos da personalidade, que têm como objeto os atributos físicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais, compondo-se de valores inatos, como a vida, a integridade física e psíquica, a liberdade e a honra (Constituição Federal, art. 5º).

Nos rompimentos matrimoniais são inúmeras as situações em que os direitos da personalidade são violados, em infração aos deveres de respeito e proteção oriundos do casamento, como analisei em mestrado na USP, em trabalho sobre o tema Dever de mútua assistência imaterial entre cônjuges, publicado pela Editora Forense Universitária (Código Civil de 2002, art. 1.566, incisos III e V).

As agressões físicas, as ofensas morais, o atentado à vida do cônjuge, inclusive por meio de contaminação de doença grave e letal, como a AIDS, o abandono moral e material do consorte, são apenas alguns exemplos de tantas outras práticas ofensivas e lesivas aos direitos da personalidade, como demonstrei em tese de doutorado sobre este tema, aprovada pela USP, intitulada Reparação civil na separação e no divórcio, publicada pela Editora Saraiva.

O cônjuge lesado, em obediência ao princípio da proteção à dignidade da pessoa humana, merece a devida reparação pelos danos sofridos. Repugna não só ao Direito, mas à consciência humana, o dano injusto, de modo que “a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação” (Carlos Alberto Bittar: Reparação Civil por Danos Morais, 3ª ed., Revista dos Tribunais, 1999, p. 13 a 28).

Note-se, que o desamor, por si só, não gera o direito à indenização, já que amar não é dever jurídico, inexistindo ato ilícito na falta de amor.

É indispensável o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil – ato ilícito (violação a dever conjugal) e dano (moral ou material), ligados pelo nexo causal -, para que caiba a reparação civil no rompimento do casamento, sendo que nosso sistema jurídico torna indispensável o prévio ou concomitante procedimento de separação judicial culposa, por ser a única sede em que cabe a demonstração do descumprimento de dever conjugal (Código Civil de 2002, art. 1.572, caput).

Na união estável aplicam-se os mesmos princípios, de modo que, descumprido um dever oriundo da união estável, como a lealdade, a mútua assistência ou o respeito, os danos acarretados ao consorte são plenamente reparáveis e sua indenização pode ser pedida em cumulação com pedido de reconhecimento e dissolução de união estável (Código Civil de 2002, art. 1.724).

Nas relações entre pais e filhos, especialmente no exercício dos deveres referentes à guarda, sustento e educação, também se aplicam os princípios da responsabilidade civil, de modo que o genitor que descumpre dever para com os filhos e causa danos morais ou materiais à prole também pode ser condenado ao pagamento da devida indenização.

O respaldo constitucional do tema em pauta apresenta-se não só na cláusula geral de proteção à dignidade humana, bem como no art. 5º, caput, inciso X e § 2º da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade dos direitos da personalidade e o direito à indenização pelo dano moral e material decorrente de sua violação, e no art. 226, § 8º da mesma Lei Maior, que prevê o dever do Estado de assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

O Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Estaduais, em relevantes julgados, já reconhecem o cabimento da aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de família, como veremos nos próximos artigos que serão publicados nesta Revista Última Instância.

O Direito de Família, que regula as relações dos cônjuges, dos companheiros e dos pais e filhos, não está num pedestal inalcançável pelos princípios da responsabilidade civil.

Pensamento diverso, ao imaginar que coloca a família num plano superior, na verdade, deixa de oferecer proteção aos membros de uma família, impedindo-lhes a utilização do mais relevante instrumento jurídico, que assegura condições existenciais da vida em sociedade: a reparação civil de danos. Além disso, os deveres de família seriam transformados em meras recomendações, sem as devidas conseqüências por sua infração, a favorecer o seu inadimplemento.

Recorde-se, por fim, que os princípios da responsabilidade civil estão dispostos na Parte Geral do Código Civil de 2002, especialmente no art. 186, aplicando-se a todas as Partes Especiais deste diploma legal, dentre as quais está o Livro do Direito de Família.

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