Pessoa incapaz não pode estabelecer união estável

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. 1. ALEGAÇÃO DE RELAÇÃO DURADOURA, CONTÍNUA, NOTÓRIA, COM PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA SUPOSTAMENTE ESTABELECIDA ENTRE PESSOA ABSOLUTAMENTE INCAPAZ, INTERDITADA CIVILMENTE, E A DEMANDANTE, CONTRATADA PARA PRESTAR SERVIÇOS À FAMÍLIA DO REQUERIDO. 2. ENFERMIDADE MENTAL INCAPACITANTE, HÁ MUITO DIAGNOSTICADA, ANTERIOR E CONTEMPORÂNEA AO CONVÍVIO DAS PARTES LITIGANTES. VERIFICAÇÃO. INTUITU FAMILIAE. NÃO VERIFICAÇÃO. MANIFESTAÇÃO DO PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA, DE MODO DELIBERADO E CONSCIENTE PELO ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. IMPOSSIBILIDADE. 3. REGRAMENTO AFETO À CAPACIDADE CIVIL PARA O INDIVÍDUO CONTRAIR NÚPCIAS. APLICAÇÃO ANALÓGICA À UNIÃO ESTÁVEL. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Controverte-se no presente recurso especial sobre a configuração de união estável entre o demandado, pessoa acometida de esquizofrenia progressiva, cujo diagnóstico fora constatado já no ano de 92, e que, em ação própria, ensejou a declaração judicial de sua interdição (em .5.2006), e a demandante, contratada, em 85, pelos pais do requerido para prestar serviços à família. Discute-se, nesse contexto, se, a despeito do estreitamento do convívio entre as partes, que se deu sob a mesma residência, na companhia dos pais do requerido, por aproximadamente vinte anos, seria possível inferir o propósito de constituir família, pressuposto subjetivo para a configuração da união estável.
2. Ressai evidenciado dos autos que a sentença de interdição, transitada em julgado, reconheceu, cabalmente, ser o ora recorrente absolutamente incapaz de discernir e compreender os atos da vida civil, o que, por consectário legal, o torna inabilitado, por si, de gerir sua pessoa, assim como seu patrimônio, nos termos do artigo 3º, II, da lei substantiva civil
2.1. Sem adentrar na discussão doutrinária, e até jurisprudencial, acerca da natureza da sentença de interdição civil, se constitutiva ou se declaratória, certo é que a decisão judicial não cria o estado de incapacidade. Este é, por óbvio, preexistente ao reconhecimento judicial. Nessa medida, reputar-se-ão nulos os atos e negócios jurídicos praticados pelo incapaz anteriores à sentença de interdição, em se comprovando que o estado da incapacidade é contemporâneo ao ato ou negócio a que se pretende anular. Em relação aos atos e negócios jurídicos praticados pessoalmente pelo incapaz na constância da curadoria, estes afiguram-se nulos, independente de prova.
2.2. Transportando-se o aludido raciocínio à hipótese dos autos, em que se pretende o reconhecimento do estabelecimento de união entre as partes litigantes, a constatação do estado de absoluta incapacidade do demandado durante o período de convivência em que a suposta relação teria perdurado enseja a improcedência da ação.
2.3. Sobressai dos autos, a partir do que restou apurado na presente ação, assim como na ação de interdição, que a enfermidade mental incapacitante do recorrente, cujo diagnóstico há muito fora efetuado, não é apenas contemporânea à suposta relação estabelecida entre os litigantes, mas também anterior a ela, circunstância consabida por todos os familiares do demandado, e, especialmente, pela demandante.
2.4. Nesse contexto, encontrando-se o indivíduo absolutamente inabilitado para compreender e discernir os atos da vida civil, também estará, necessariamente, para vivenciar e entender, em toda a sua extensão, uma relação marital, cujo propósito de constituir família, por tal razão, não pode ser manifestado de modo voluntário e consciente. 3. Especificamente sobre a capacidade para o estabelecimento de união estável, a lei substantiva civil não dispôs qualquer regramento. Trata-se, na verdade, de omissão deliberada do legislador, pois as normas relativas à capacidade civil para contrair núpcias, exaustivamente delineadas no referido diploma legal, são in totum aplicáveis à união estável. Assim, aplicando-se analogicamente o disposto no artigo 1.548, I, do Código Civil,
afigurar-se-ia inválido e, por isso, não comportaria o correlato reconhecimento judicial, o suposto estabelecimento de união estável por pessoa acometida de enfermidade mental, sem ostentar o necessário discernimento para os atos da vida civil.
4. Recurso provido, restabelecendo-se a sentença de improcedência.
STJ
Data do Julgamento: 03/25
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Acórdão
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