Associação de Direito de Família e das Sucessões

OS FILHOS DA MODERNIDADE. RESPEITO, RESPONSABILIDADE E RESILIÊNCIA PARA UM MUNDO DE FELICIDADE REAL.

Por Irma Pereira Maceira*
Muitas pessoas, passam a vida e, por diferentes motivos, não encontram o caminho da maturidade. Vivem como se fossem eternas crianças ou adolescentes, sempre dependentes e integralmente apoiados em alguém.
Não aprenderam como agir para adquirirem responsabilidade. Não raro, tiveram uma educação familiar protecionista – foram poupados e ao mesmo tiveram negada, ainda que não intencionalmente, a oportunidade de enfrentar as diversidades que a trajetória da vida lhes ofereceu. Simplesmente foram isolados de todo e qualquer sofrimento.
Isto aconteceu e continua acontecendo cada vez mais, independentemente da esfera social, pobres ou ricos, dotados de conhecimento ou não. Foram e continuam sendo criados para enfeitar a família, são os príncipes e as princesas, totalmente dependentes emocionalmente, em perfeita alienação vital.
Geralmente, recebem tudo sem que nenhuma contrapartida lhes seja imposta, como se fossem bençãos caindo do céu, a todo instante. Não reconhecem o valor das coisas porque ignoram de onde veio, com qual esforço foi provido. Não conseguem avaliar o sofrimento de outras pessoas, e não raro fazem piada, eu quero, eu tenho.
Esperam sempre mais, almejam o lugar mais alto do podium, sem o dispêndio do menor sacrifício porque acreditam serem merecedores; afinal são príncipes ou princesas.
Totalmente desprovidos de empatia, perdidos no tempo e no espaço. Foram privados do direito de viver e experimentar as agruras da vida. Cresceram fisicamente, naturalmente, mas permaneceram sem alicerce, infantis, sem desenvolver a capacidade de fazer as próprias escolhas – boas ou ruins, certas ou erradas – para com isso, eventualmente aprenderem a grande arte de educar outros.
São pais e mães muito jovens, e seus filhos criados nas escolas ou pelos avós. Outros não têm filhos, porque pensam em serem eternamente jovens. Como se não bastasse, muitos ainda procuram unir-se a um pai ou mãe para serem proprietários dos pequenos; os pais brincam de casinha e enfrentam contendas grandiosas lutando pelo brinquedinho principal e comum, o filho. Não aprenderam a dividir, a reconhecer e respeitar limites, e ao o outro, nem a dar valor ao que realmente importa na vida. Triste realidade vivenciamos na contemporaneidade. Pensam que são independentes, não conseguem perceber a imensidão da dependência familiar para com isso manterem seus prezados bens materiais.
E o que é pior: não aprenderam o valor do respeitar e cuidar dos mais velhos, principalmente os pais e avós, porque sequer aprenderam a cuidar de si mesmos. Desconhecem a ética e principalmente a ética da responsabilidade, segundo a qual “somos responsáveis pelos resultados previsíveis dos nossos atos”. Simplesmente desconsideram que viver com liberdade requer muito de responsabilidade. O princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligado ao princípio da responsabilidade, onde encontramos limites no interesse público e no exercício da vida privada.
O homem contemporâneo está sempre em busca da felicidade como um destino. Mas o que será a felicidade? Será a busca por um outro modo de vida, diferente da que vivemos e que não parece capaz de proporcionar a felicidade que desejamos? Quer gostemos ou não, os maiores aprendizados da vida ainda são gerados como parte de experiências desafiadoras, por vezes dolorosas. Felicidade real não se faz de ilusões ou aparências, pois envolve batalhas, conquistas, perdas e o reconhecimento de si mesmo com quem tem um compromisso: a promessa de manter-se fiel a si mesmo. Podemos mudar de intenções, desejos, percepções, atitudes e sentidos do mundo da vida, mas teremos como permanência temporal do si, como continuidade de si, o caráter.
Nas palavras do escritor francês Victor Hugo, é preciso trocar as folhas, mas nunca suas raízes; revisitar suas opiniões, mas ser fiel aos seus princípios.
O maior legado que devemos deixar aos nossos descendentes, é uma educação traduzida em princípios ético-morais.  Penso que é nossa responsabilidade garantir que eles tenham o direito de experimentar e gradual e progressivamente desenvolver suas habilidades para enfrentar os desafios da vida. E ainda que é nosso dever garantir que eles desenvolvam empatia não apenas pela diversidade existente no mundo, mas especialmente por sua família imediata, pelas pessoas que se doam e dedicam para que eles tenham as condições necessárias para se desenvolverem e se fortalecerem como seres humanos.
Indivíduos educados certamente terão vantagens para enfrentar os desafios envolvidos na realização de seus anseios pessoais, familiares, profissionais, patrimoniais. Não terão se feito príncipes e princesas, mas educados para um mundo real, uma vida real, da infância à velhice, com respeito e limites. Terão desenvolvido mais provavelmente que outros indivíduos, uma resiliência própria para lidar com desafios, buscar alternativas, pavimentar outras ideias.
Estamos vivendo, sem viver. Estamos criando, sem educar. Estamos correndo contra o tempo, na busca de bens materiais, sem rumo e sem limite. Infeliz da sociedade e especialmente das famílias que criam herdeiro – herdeiros do patrimônio e da ignorância na formação. Serão estes nada mais que imaturos eternos.
 
*Irma Pereira Maceira. Advogada. Mestre e Doutora em Direito Civil Comparado. Professora universitária. Coordenadora da ESA-SBC – Escola Superior da Advocacia. Presidente da ADFAS – Associação de Direito de Família e Sucessões do ABCDMRR.

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