O RETORNO DO ESTATUTO DESTRUIDOR DAS FAMÍLIAS IV
O projeto de lei Estatuto das Famílias, que tramitou na Câmara e foi ali praticamente arquivado, e passou a ter nova tramitação no Senado sob o nº 470/2013, além de propor a institucionalização da poligamia consentida (de que tratei aqui) e não consentida (de que tratei aqui e aqui) pretende também instituir no Direito de Família brasileiro a multiparentalidade.
Aquelas ideias, já referidas sobre a quebra do princípio da monogamia e ditas “progressistas”, querem também quebrar o princípio da biparentalidade, constituído pela presença do pai e da mãe, não só na geração, mas também na formação das crianças e dos adolescentes.
Esse projeto propõe que os padrastos e as madrastas compartilhem dos direitos e deveres dos pais e das mães, como se vê no seguinte artigo:
Artigo 70. O cônjuge ou companheiro pode compartilhar da autoridade parental em relação aos enteados, sem prejuízo do exercício da autoridade parental dos pais.
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A proposta é de que os padrastos e as madrastas passem a ter o dever de pagar pensão alimentícia aos enteados, em complementação ao sustento que já lhes deem os seus pais ou as suas mães, conforme prevê outro artigo desse mesmo projeto:
Artigo 74. Pode o enteado pleitear do padrasto ou madrasta alimentos em caráter complementar aos devidos por seus pais.
E em mais um artigo, o projeto retoma a mesma proposição:
Art.90, § 3º. O cônjuge ou companheiro de um dos pais pode compartilhar da autoridade parental em relação aos enteados, sem prejuízo do exercício da autoridade parental do outro.
Multiparentalidade é o que pretende esse projeto, com duplo incentivo ao ócio. Se um jovem tem duas fontes pagadoras de alimentos (pai e padrasto, por exemplo), por qual razão esforçar-se-ia em trabalhar? Incentivo ao ócio também porque a mãe de uma criança ou adolescente sustentada por dois homens concomitantemente (pai e padrasto), pela natureza humana, que lastimavelmente cultiva, ainda que no íntimo de seu ser, a preguiça, ficaria sem incentivo em buscar recursos para auxiliar no sustento do filho.
Vê-se aí a monetarização do afeto.
Esse projeto, ao mesmo tempo, incentiva o desafeto, porque uma pessoa em sã consciência, evitará unir-se a quem tenha filhos, porque poderá ser apenado com o pagamento de pensão alimentícia aos jovens que não são seus filhos se separar-se da mãe desses menores.
Não se pode esquecer, também, que o filho, quando maior de dezoito anos, poderia ter o dever de prestar pensão alimentícia ao pai, à mãe, ao padrasto e à madrasta.
Nessa atribuição de direitos e deveres ao padrasto e à madrasta idênticos aos do pai e aos da mãe, está também o direito daqueles de pleitearem a guarda, ou, então, as visitas em relação ao enteado, quando a relação que deu origem a esse vínculo termina, ou seja, quando o casamento ou a união estável tem fim, como propõe expressamente o seguinte artigo:
Art. 72. Na dissolução do casamento ou da união estável assegura-se ao padrasto ou à madrasta o direito de convivência com os enteados, salvo se contrariar o melhor interesse destes.
A guarda de um menor, diante desse projeto, poderia ser disputada entre o padrasto, a mãe e o pai de uma criança, ou entre a madrasta, o pai e a mãe de uma criança. Já que as famílias se recompõem livre e facilmente segundo esse Estatuto das Famílias, quiçá essa criança, após três casamentos de cada um de seus pais, poderia ser disputada por dois padrastos, duas madrastas, um pai e uma mãe, ou seja, por quatro pessoas. Pode-se imaginar os danos dessa disputa para o filho, que seria centro de conflitos entre vários interessados em sua guarda.
É mais uma tentativa de implementar a falsa modernidade!
E note-se que a multiparentalidade no projeto em tela não para por aí, porque ao considerar que trios, quartetos ou quintetos possam constituir família, como vimos em artigo anterior (disponível aqui), nada estranharia a permissão de que nessas relações poligâmicas um filho viesse a ser registrado como sendo de todos os que assim se relacionam, ou seja, filhos de três, quatro ou cinco pessoas concomitantemente.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada
Publicação original: Estadão