Associação de Direito de Família e das Sucessões

O CÓDIGO CIVIL NÃO PODE TER REFORMA EXPRESS

Por Regina Beatriz Tavares da Silva, Presidente da ADFAS, originalmente publicado no Blog do Fausto Macedo.

O Anteprojeto de Reforma do Código Civil foi apresentado ao Senado Federal em 17 de abril deste ano. Ainda não foi transformado em projeto de lei, mas, tudo indica que isto ocorrerá, sendo necessário que a sociedade saiba quais são as propostas legislativas que poderão alterar sensivelmente a vida dos brasileiros.

O Código Civil regula as relações jurídicas, desde a gestação até a morte das pessoas, razão pela qual é chamado de “Constituição do cidadão”.

Esse Diploma legal, por também conter normas sobre as pessoas jurídicas, pode ser denominado “Constituição das pessoas naturais e das empresas”. Tem 2.046 artigos e é dividido em nove livros: “Das Pessoas”; “Dos Bens”; “Dos Fatos Jurídicos” (Parte Geral); “Direito das Obrigações”; “Direito de Empresa”; “Direito das Coisas”; “Direito de Família”; “Direito das Sucessões” (Parte Especial); e “Das Disposições Finais e Transitórias” (Livro Complementar).

O Anteprojeto de Reforma do Código Civil foi elaborado por Comissão instituída pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para sua apresentação em apenas cerca de sete meses, o que denota a urgência que o senador pretende imprimir na tramitação do futuro PL.

São 1.177 propostas de alterações no Código Civil, que vão muito além de atualizações. Atualização seria, por exemplo, a inclusão na legislação federal do casamento entre pessoas do mesmo gênero. As alterações propostas são reformistas, mudando radicalmente ou introduzindo normas na “Constituição das pessoas naturais e das empresas”.

No Direito de Família, as propostas de reforma vão desde a celebração do casamento às espécies de sua dissolução, assim como abrangem a união estável, os efeitos dessas entidades familiares, inclusive nos regimes de bens, e as relações de parentesco e filiação.

Aquele curtíssimo prazo de sete meses para elaboração de propostas de reforma, com profundas modificações no sistema jurídico, é obviamente insuficiente para trabalho de tamanha relevância.

A tramitação de futuro projeto de lei necessitará de debates no Senado Federal, para que sejam ouvidas as diferentes correntes de pensamento dos juristas brasileiros, de modo que aquela Casa do Congresso Nacional possa votar, com o indispensável cuidado em relação a nossa sociedade, uma reforma do Código Civil.

É impensável um regime de urgência em futura reforma do Código Civil, pois isto importaria em gravíssima omissão dos nossos representantes no Senado Federal.

Assumir a “paternidade” ou a “maternidade” de uma futura lei, que já vem sendo chamada de “novo Código Civil”, embora ainda sequer haja cadastramento como projeto de lei no site do Senado, é vaidade que a sociedade brasileira não aceitará.

Espera-se que os líderes dos partidos, que definirão o regime de tramitação do futuro projeto de lei de reforma do Código Civil, não permitam que sentimentos egoísticos passem por cima dos interesses e da proteção da sociedade.

Iniciando o alerta pelo Direito de Família, na celebração do casamento, tradicionalmente conhecida por todos no sistema vigente, o Anteprojeto de Reforma do Código Civil propõe a facilitação do processo de habilitação e da celebração do casamento (art. 1.525 e ss). Introduz a forma virtual no procedimento pré-nupcial, dispensando testemunhas e o chamado Juiz de Paz, passando o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais a exercer dupla função: formalizador e registrador da vontade das partes, inclusive se o nubente for portador de deficiência mental ou intelectual que reduza o seu discernimento (art. 1.533 e ss).

Onde está a segurança jurídica que se espera em um contrato tão especial e com tantos efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais?

Na dissolução do casamento, que está muito bem regulamentada, inclusive recentemente, pelo Código de Processo Civil, o que é mais chocante no Anteprojeto é a sua qualificação como um direito impositivo.

A intenção do Anteprojeto é de implementar um sistema de divórcio por pedido unilateral que rechaça a participação do outro cônjuge. Isto se vê na justificativa do Anteprojeto da qual consta que “incorporou-se o PL nº 3.457/2019 (de autoria do senador Rodrigo Pacheco), consagrando o divórcio impositivo ou unilateral, o que resultará em efetiva e concreta desburocratização, porquanto independe da aquiescência da outra parte, dispensando-se até mesmo a lavratura de escritura pública.”

Hoje em dia, o divórcio já não se subordina a uma causa ou condição, inclusive podendo ser decretado no início do processo iniciado por um dos cônjuges, porém após a citação da outra parte na respectiva ação judicial, para que ela possa realizar os pedidos que sejam cabíveis, antes da decretação da dissolução conjugal, como o de conservação de plano de saúde, ou de permanência no domicílio conjugal.

Na incorporação daquele PL 3.457/2019 no Anteprojeto, é proposto o divórcio por mera notificação de um dos cônjuges ao outro diretamente no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), o que pode ser chamado de “divórcio express”, se for chamado de “divórcio surpresa”, com sua averbação na certidão de casamento cinco dias após a notificação (art. 1.582-A).

Se essa proposta for aprovada, o cônjuge notificado poderá ser excluído imediatamente de seguro ou plano de saúde existente junto à empregadora do notificante, bastando a apresentação da certidão de casamento com averbação do divórcio; também poderá ser subitamente expulso do domicílio conjugal, se o imóvel pertencer exclusivamente ao notificante.

Note-se que a observação feita sobre estes pontos no Anteprojeto carece de eficácia, mantendo-se os riscos aqui referidos. Evidentemente, será o cônjuge mais vulnerável que sofrerá os danos de um divórcio por notificação no RCPN.

Aos problemas das referidas propostas, somam-se muitos outros, cabendo ao Senado Federal, se o Anteprojeto se transformar em projeto de lei, a sua solução, em proteção às famílias brasileiras.

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