MULHER QUE FALTOU AO TRABALHO POR CAUSA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DEVE SER REINTEGRADA
As faltas de trabalhadora são justificáveis, quando a sua permanência em seu posto de serviço pode causar risco à sua integridade física e psicológica. Com esse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região determinou que uma empresa pública reintegre uma ex-empregada, dispensada após se ausentar do trabalho em função das agressões do ex-companheiro.
No dia 13 de setembro de 2019, a trabalhadora registrou um boletim de ocorrência, no qual relatou diversas agressões por parte de seu ex-companheiro. Em um trecho do documento, ela disse que era perseguida e que o ex-marido parava a moto no ponto de ônibus em que costumava pegar a condução, xingando-a em voz alta, além de ir ao trabalho dela.
Diante dos fatos, no dia 23 de setembro de 2019, foram deferidas medidas protetivas de urgência à trabalhadora, proibindo o ex-marido de se aproximar, de frequentar a residência e o local de trabalho dela. A trabalhadora foi inserida ainda no serviço de prevenção à violência doméstica da Polícia Militar. Como os problemas com o ex-companheiro continuaram, ela registrou, no dia 25 de outubro, um segundo boletim de ocorrência relatando novas ameaças.
Por causa da situação, a autora da ação trabalhista acabou faltando ao trabalho em alguns dias e, após receber advertências do empregador, acabou sendo dispensada, em janeiro de 2020.
Antes da dispensa, ela chegou a receber atendimento médico, sendo diagnosticada com estresse grave e transtorno de adaptação, destacando que “evitava ir trabalhar, pois o marido ficava na porta do trabalho”. Por isso, teve 14 dias de afastamento médico, em dezembro de 2019.
A trabalhadora argumentou judicialmente que justificou as suas ausências ao trabalho. Sustentou que a empregadora tinha conhecimento da violência que ela estava sofrendo, bem como do processo criminal em face do ex-cônjuge e do tratamento psicológico que estava recebendo.
Para a profissional, a empresa deveria ter garantido a ela algum auxílio. Ela pediu a aplicação, por analogia, do art. 9º, parágrafo 2º, II, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que determina que “o juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses”.
Em sua defesa, a empregadora alegou que dispensou motivadamente a profissional. Justificou que ela já havia sido advertida três vezes por ausência injustificada e voltou a ausentar-se.
O juízo da 36ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte negou o pedido da trabalhadora, reconhecendo a licitude da dispensa da profissional, que apresentou recurso ao TRT mineiro.
Decisão
Para a juíza convocada Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, relatora no processo, a empregadora não conseguiu provar nos autos que a ex-empregada agiu com desídia. “Isso porque, restou incontroverso que, desde setembro de 2019, ela sofre ameaças, no ambiente de trabalho, pelo ex-marido, culminando inclusive com a medida protetiva de proibição dele frequentar o local de trabalho”, pontuou.
Na visão da julgadora, ficou claro também que tais medidas protetivas foram ineficazes, uma vez que o ex-cônjuge agressor continuou importunando a vítima, inclusive no local de trabalho. A magistrada ressaltou que as provas dos autos demonstram que as faltas da trabalhadora são justificáveis, uma vez que a sua permanência em seu posto de serviço, naquele momento, causava risco à sua integridade física e psicológica.
Além disso, segundo a julgadora, a aplicação da medida prevista na Lei Maria da Penha mostra-se necessária e de extrema importância, pois assegura a preservação física e psicológica da mulher, garantindo a afirmação dela, inclusive profissional, perante a sociedade.
“Entender o contrário acarretaria a imposição de fardo demasiadamente gravoso à mulher, em especial àquela que vive apenas de seu trabalho e tem neste a única fonte de subsistência — que, temendo perdê-lo, poderia arriscar-se a permanecer no trabalho, em franco prejuízo à sua integridade física e/ou psicológica”, destacou.
A magistrada pontuou que não há como fechar os olhos para o fato de que as faltas ao serviço, que motivaram a dispensa, ocorreram justamente após setembro de 2019, período em que a autora da ação vivenciava situação de agressões e violência doméstica e familiar.
Assim, a julgadora declarou nula a dispensa da autora, determinando a reintegração, devendo ser observadas as mesmas condições anteriores e relacionadas ao cargo ocupado. Porém, pelas particularidades do caso e em virtude da situação referida pela Lei Maria da Penha, a juíza convocada determinou a reintegração em outro posto de trabalho, como forma de preservação da integridade física e psicológica da profissional. Com informações do TRT-3.
Fonte: Conjur (06/08/21)