Associação de Direito de Família e das Sucessões

DIREITO À FELICIDADE ESTÁ DESTROÇADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Neste artigo apresento um caso paradigma, exemplo de muitos outros, diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida nos Recursos Extraordinários 646.721/RS e 878.694/MG, que equiparou os efeitos sucessórios da união estável aos do casamento em nosso país, que já examinei em artigos anteriores (como aqui).
Duas pessoas, com filhos de casamentos anteriores e patrimônios exclusivos ou próprios, constituídos durante todas as suas vidas, com seus respectivos esforços, se conhecem e se enamoram, passando a ter uma relação afetiva.
A afetividade do casal é compartilhada com os familiares de cada qual e, como duas pessoas adultas, têm relações próximas e íntimas, convivem em datas festivas, dormem aos finais de semana um na casa do outro, viajam juntos etc.
Não querem casar, pretendem manter essa relação de namoro, que é saudável para ambos.
Depois de um tempo, a relação termina pela morte de um deles.
Note-se que no Direito Brasileiro o Código Civil estabelece como requisito da união estável que a relação seja duradoura, mas, quiçá, por influência dos novos tempos em que tudo está mais rápido, a durabilidade tem sido considerada até mesmo quando a relação afetiva dura cerca de um ou dois anos.
Mas, perguntar-se-ia como enquadrar em união estável uma relação em que cada um dos participantes morava em um local, afinal, tinham domicílios diversos.
Ocorre que há interpretação inadequada pela qual a unicidade domiciliar não é requisito obrigatório da união estável, quando evidentemente deveria ser, afinal, como diz o ditado, “quem casa quer casa”.
Somente diante de justificadas razões, como prevê o Código Civil expressamente para o casamento, a duplicidade domiciliar poderia ser aceitável, como em razão do fato de que os conviventes trabalham em cidades diferentes e não podem ter moradia sob o mesmo teto. Mas esta não é interpretação pacífica, muito ao contrário, já que se ouve dizer que o que importa é a intenção de constituir família, o que tem natureza subjetiva e de difícil avaliação. Ao invés de utilizar-se critério objetivo da moradia em comum, passa-se a utilizar critério que não traz qualquer segurança jurídica.
Diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, no exemplo dado, o sobrevivente poderá alcançar direito à herança sobre todos os bens do falecido, em concorrência com os filhos deste.
E não foi por falta de aviso que isto ocorreu (v. os alertas feitos aqui, aqui e aqui).
O julgamento daqueles Recursos Extraordinários não foi unânime, tendo de salientar que os Ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski votaram pela não equiparação dos efeitos sucessórios da união estável aos do casamento. Mas a maioria decidiu pela equiparação, é o que passou a valer depois daquele julgamento.
Como se pode equiparar uma relação afetiva, existente somente no plano dos fatos, com um casamento, em que não pode existir dúvida, pelas formalidades que o precedem e são exigidas em sua celebração, da existência de uma entidade familiar?
Baseando-se no exemplo dado, as pessoas, temendo a injusta privação sucessória e patrimonial que seus filhos podem sofrer, decidem cortar a relação que tão bem fazia a ambos.
Este é o lamentável resultado de um acórdão, proferido em Recursos Extraordinários em que se debatia um caso específico, de união prolongada por muitos anos e em concorrência da companheira com os irmãos do falecido que não tinham proximidade com ele, que, por ter extrapolado os seus limites, ganhou repercussão geral para aplicar-se a qualquer caso.
São histórias de amor destruídas pelo Supremo Tribunal Federal.
Resulta muito triste que um acórdão prive as pessoas de serem felizes.
Regina Beatriz Tavares da Silva. Presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões). Doutora em Direito pela USP e advogada.
Publicação original: Estadão

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