CNJ: CONFLITOS FAMILIARES SÃO OS MAIS SUSCETÍVEIS A ACORDOS
Os processos da esfera do Direito da Família são os que têm mais chances de serem concluídos por meio de acordos obtidos em conciliação e mediação. Por outro lado, o avanço dos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos requer treinamento de magistrados, conciliadores e servidores, infraestrutura propícia para as audiências e padronização dos dados relativos a esses processos.
Essas foram algumas das constatações da pesquisa “Mediação e Conciliação avaliadas empiricamente: jurimetria para propositura de ações eficientes” apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na sexta-feira (31/5) durante o seminário “Caminhos para o Consenso”. O evento é realizado em São Paulo, na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região.
Ao apresentar a pesquisa, a presidente da Comissão de Acesso à Justiça e Cidadania do CNJ, conselheira Daldice Santana, ressaltou a importância da correta identificação dos processos e dos dados relacionados a eles para o avanço dos métodos alternativos de solução de conflitos, baseados no diálogo e entendimento entre as partes envolvidas. “Como planejar qualquer ação se não identifico os processos de trabalho e se não faço mineração dos dados? Lembrando que essa identificação é melhor quando vem de uma análise livre como o dessa pesquisa que estamos divulgando”, disse.
O levantamento foi espontâneo e realizado com mais de 400 pessoas entre advogados, magistrados, conciliadores, servidores e colaboradores do Poder Judiciário. Os dados coletados se referem a processos de mediação e conciliação autuados entre 2013 e 2017 nos estados do Ceará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. A pesquisa foi encomendada pelo CNJ à Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). A conselheira Daldice Santana propôs que os dados sobre mediação e conciliação apresentados sejam analisados em profundidade pelos tribunais.
Natureza dos envolvidos
A pesquisa apontou ainda que a natureza das pessoas envolvidas no processo influencia na solução pacifica. De acordo com o documento, pessoas jurídicas, em regra, são mais difíceis de finalizar um processo em acordo. As mais citadas foram os bancos, o poder público e as concessionárias de serviço público.
Uma das causas para essa dificuldade com as pessoas jurídicas seria os baixos valores de indenização. “O valor das condenações e das indenizações no Brasil não estimula principalmente as grandes empresas a negociarem, pois enquanto o processo tramita, eventuais valores destinados ao pagamento de indenizações (reserva de contingência) estão rendendo lucros mais recompensatórios”, ressalta a pesquisa.
Como solução para o problema, os pesquisadores ressaltam os bons resultados das semanas de conciliação – mutirões promovidos regularmente pelos tribunais de Justiça.
Estrutura física
A professora Luciana Romano Morilas, da Faculdade de Economia e Administração da USP, e o professor Evandro Marcos Saidel, associado à USP, que coordenaram a pesquisa, chamaram a atenção para as respostas dos entrevistados relacionados à infraestrutura. De acordo com o levantamento, boa parte dos entrevistados entende que a estrutura física do tribunal influencia o resultado final do acordo, tanto o fato de ter uma sala especial dentro do tribunal quanto a estrutura interna dessa sala. “É preciso boa estrutura para que os locais onde as audiências são realizadas deixem as pessoas mais à vontade para o diálogo e o acordo”, destaca Luciana Romano Morilas.
No entanto, a pesquisa aponta como dificuldade a falta de orçamento para a estruturação do Cejusc. “É muito comum que o Cejusc tenha sido montado de forma improvisada, com sobras de móveis e empenho do próprio servidor por ele responsável. Muitos desses servidores trouxeram decoração e revistas de suas próprias casas para tornar o local mais agradável”, descreve o documento.
Para o aperfeiçoamento e avanço da conciliação no Judiciário brasileiro, os coordenadores da pesquisa sugeriram também o treinamento de magistrados, conciliadores e servidores dos órgãos em relação aos métodos alternativos de solução de conflitos e uso mais intenso de tecnologia e padronização dos dados.
Remuneração
Em outro quesito da pesquisa, servidores mencionaram que, em razão da expectativa de ganho pela prestação do serviço de conciliador e mediador, muitas pessoas se apresentaram como voluntários e que, atualmente, com a inexistência de remuneração, tem sido difícil de encontrar pessoas disponíveis. O objetivo, hoje, é completar o estágio requeridos em curso de Direito ou cumprir com o tempo de prática jurídica necessário para prestação de concursos. A exceção acontece no estado do Paraná onde, em regra, os conciliadores são serventuários da Justiça que atuam como conciliadores no contraturno e recebem horas extras por tal trabalho.
Nos demais tribunais, esse trabalho é feito ou por servidores no exercício de suas funções (alguns casos no estado de São Paulo, no Ceará e no Piauí) ou por voluntários que se disponibilizam para realizar essas conciliações.
Papel do CNJ
Foi questionado, ao longo da pesquisa, a importância do CNJ no estímulo à cultura da resolução consensual de conflitos. De acordo com os participantes, o CNJ tem papel crucial para a mudança da cultura do litígio para a cultura da pacificação social. “Sugere-se a organização de campanhas de fortalecimento da mediação e conciliação desenvolvidas de acordo com as especificidades locais para serem disseminadas por meio de diferentes espaços públicos (dentre eles os fóruns) e mídias sociais”, diz o documento
Foi também sugerido que o Conselho regulamente a exigência de um conteúdo mínimo sobre mediação e conciliação a ser introduzido em disciplinas de cursos de Direito. “Esse conteúdo poderia abarcar, além de outros temas: relacionamento interpessoal, comunicação, mediação e conciliação, negociação. É importante frisar a questão da comunicação e do relacionamento pessoal nos cursos. Sugere-se, ainda, a realização de alguns estudos piloto em parceria com universidades nacionais para avaliar o impacto da disciplina na formação de operadores do direito e na valorização da cultura de pacificação social”, explicou a pesquisa.
A íntegra da pesquisa pode ser acessada aqui.
Fonte: Agência CNJ de Notícias (31/05/2019) – Luciana Otoni e Paula Andrade