Associação de Direito de Família e das Sucessões

ALIENAÇÃO PARENTAL NÃO PERMITE PRISÃO PREVENTIVA

Por: Douglas Lima Goulart e Rinaldo Pignatari Lagonegro Jr.: Advogados, sócios do escritório Lima Goulart & Lagonegro – Advocacia Criminal.
Em meados da década de 1980, Richard Gardner, psiquiatra estadunidense, lançou um estudo sobre o que ele denominara síndrome da alienação parental (SAP), evento marcado por um condicionamento forçado, promovido por um dos pais em ambiente de conflito de custódia, para que a criança venha a romper os laços de afeto que possui com o outro genitor.
O tema não se apresentara imune a críticas, merecendo destaque a objeção lançada por alguns estudiosos a respeito da ausência de base empírica da proposta de Gardner[1], que ainda não conta com reconhecimento da natureza de síndrome pelo Código Internacional de Doenças (CID-10)[2].
Contando com tendência de inclusão no CID-11, ainda pendente de publicação, pode-se dizer que a SAP já goza de cidadania jurídica, vez que reconhecida, pela Lei 12.318/2010, como ato atentatório a direito fundamental de convívio familiar da criança e do adolescente (art. 3º).
Trata-se de rara hipótese em que o plano jurídico se antecipa ao campo técnico específico, sendo a SAP motivo de debates processuais de índole cível e criminal, para fins de aferição da eventual “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” (art. 2º, Lei 12.318/2010).
Talvez em razão da pendência de reconhecimento científico pleno, não houve, da parte da Lei 12.318/2010, o estabelecimento da alienação parental como conduta típica de índole penal, o que estabelecera a limitação dos debates criminais a respeito da alienação parental, como argumento de defesa da parte do genitor eventualmente acusado da prática de abuso sexual.
Vale frisar que no âmbito cível, desde a edição da norma supra aludida, a SAP constitui razão suficiente para a alteração do regime de convivência familiar, aplicação de multa, imposição de acompanhamento psicológico, alteração/inversão da guarda, fixação cautelar do domicílio da criança/adolescente e, eventualmente, a suspensão da autoridade parental (art. 6º, da Lei 12.318/10).
Sem que houvesse, desde o ano de 2010, qualquer alteração no juízo de valor da SAP perante a comunidade científica, foi determinado, pelo campo jurídico, um novo passo rumo ao reconhecimento da síndrome como realidade a ser combatida e remediada.
Trata-se da Lei n.º 13.431/2017, que promovera o reconhecimento da SAP como forma de violência psicológica praticada em detrimento da criança e do adolescente (art. 4º, inc. II, “b”).
A classificação supra destacada tem gerado alguns debates sobre a possibilidade do estabelecimento de prisão preventiva em casos em que um dos cônjuges se demonstra renitente na prática da alienação parental.
O raciocínio em prol da prisão cautelar se vale da aplicação da interpretação sistemática da Lei, que informa, em seu art. 6º, que “a criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência têm direito a pleitear, por meio de seu representante legal, medidas protetivas contra o autor da violência”.
Em continuidade, estabelece o parágrafo único, do aludido art. 6º, que os casos omissos serão interpretados à luz do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei Maria da Penha (Lei n.º 8.069/90 e Lei 11.340/06).
Nesse lineamento, considerando-se que o termo medidas protetivas constitui instituto próprio à Lei Maria da Penha, e tendo em conta que o art. 20, da Lei em questão, estabelece o cabimento da prisão preventiva, há quem se posicione no sentido da aplicabilidade da medida cautelar máxima também aos casos em que se discute a prática da alienação parental[3].
Em que pesem as razões de índole legal suscitadas em prol da maior repressão aos casos de SAP, entendemos ser forçoso concluir pela inviabilidade da aplicação da prisão preventiva ao caso ora sob debate, vez que carecedora a medida – de índole eminentemente acessória – do necessário esteio em fato típico, antijurídico e culpável, isto é: em crime propriamente dito.
Explica-se.
Ao estabelecer o cabimento da prisão preventiva como última ação nas medidas protetivas de urgência, a Lei Maria da Penha vinculara, expressamente, tal opção à existência de um inquérito policial ou processo de cunho criminal (art. 20, Lei 11.343/06), o que, forçosamente, só se faz possível diante da ocorrência de uma conduta típica.
Sobre esta condição, verifica-se que a Lei 13.431/2017, malgrado reconheça a SAP como forma de violência psicológica, calara-se quanto à sua tipificação e consequente pena, limitando-se a estabelecer, como crime, apenas a prática de violação de sigilo processual (art. 23).
Em verdade, a Lei 13.431/2017 apresenta-se deveras confusa, vez que aloca, em diferentes incisos de um mesmo artigo, a alienação parental, a violência física, a exploração e o abuso sexual (incluindo-se o tráfico de menores) e a violência institucional (art. 4º, incs. I, II, III e IV).
Perseverando na má técnica legislativa, a Lei 13.431/2017 informa, de maneira geral, ser possível a aplicação das medidas protetivas de urgência com suporte na Lei Maria da Penha.
Em verdade, tendo-se em conta as limitações constitucionais impostas pelo princípio da legalidade (art. 5º, inc. XXXIX, CF/88), bem como as restrições de cunho dogmático quanto à necessária vinculação da prisão preventiva a um procedimento penal, resta evidente que as hipóteses do cabimento das medidas protetivas e/ou prisão preventiva se limitam às modalidades de violência que, além da listagem na Lei 13.431/2017, contam com expressa previsão típica, como por exemplo a violência física (art. 129, do CP e art. 233, do ECA), a violência sexual (art. 217-A, do CP; artS. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 244-A, do ECA), o tráfico de pessoas (art. 149-A, do CP e art. 239, do ECA) e eventualmente a violência institucional (art. 232, do ECA).
Em conclusão, reiteramos que não se faz possível, na atual quadra jurídica, a aplicação da prisão preventiva aos casos relacionados a SAP, sendo discutível, inclusive, a validade da aprovação da Lei para tipificar a conduta sem que se tenha, antes disso, o necessário reconhecimento da SAP como síndrome pelas entidades médicas diretamente responsáveis pela condução científica do tema.
 
Links:
http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&dif=s&ficha=1&id=9217&tipo=PARECER&orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&numero=86903&situacao=&data=30-06-2009
https://www.conjur.com.br/2018-abr-05/maria-berenice-dias-agora-alienacao-parental-motivo-prisao
[1] Nesse sentido: CINTRA, Pedro et al., Síndrome de alienação parental: realidade médico-psicológica ou jurídica?, Julgar, n.º 7, Janeiro-Abril 2009, p. 203.
[2]http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Pareceres&dif=s&ficha=1&id=9217&tipo=PARECER&orgao=Conselho%20Regional%20de%20Medicina%20do%20Estado%20de%20S%E3o%20Paulo&numero=86903&situacao=&data=30-06-2009
[3] Nesse sentido: DIAS, Maria Berenice. Finalmente, alienação parental é motivo para prisão. In: https://www.conjur.com.br/2018-abr-05/maria-berenice-dias-agora-alienacao-parental-motivo-prisao

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