A HONRA
Por Ricardo Bepmale*
Hoje eu quero narrar um conto e, como todo conto, começa da seguinte forma.
Era uma vez um senhor que andava pelo mundo subitamente, em uma vila muito antiga chamada DEMOCRACIA, que havia sido fundada, segundo contava a lenda, por um senhor do nome JUSTINIANO lá no ano 500.
Naquela vila havia um teatro e, ao passar pela sua frente, parou para olhar o título da peça que estava sendo apresentada na época. A mesma se chamava: A HONRA.
Surpreso com o nome da obra, decidiu entrar na sala para ver do que se tratava, porque era um nome muito especial e sugeria vários pensamentos. Tirou seu bilhete de entrada, sentou-se confortavelmente em uma poltrona e, quando se apagaram as luzes da enorme sala, começou a peça.
De repente a cortina foi aberta e, na cena, tratava-se de um casal que vivia feliz em uma casa da cidade com todas as comodidades, piscina, um enorme jardim, muitos quartos, três carros etc., tudo o que se possa imaginar.
Este casal tinha um filho de quem eu não me lembro do nome, mas a criança, de aproximadamente doze anos, estava estudando em uma escola particular de nível muito alto, é claro.
Um dia, na época das férias, o pai comentou com a criança que eles sairiam de viagem a um lugar muito bonito chamado DIREITO, que se encontrava muito próximo ao Rio JURISPRUDÊNCIA, ao sul da cidade JUSTIÇA.
O dia da tão esperada viagem chegou e os três partiram em busca de aventuras e prazeres que apenas naquele povoado – comentavam os que nele já haviam estado – se podia encontrar.
O aeroporto onde pousou o avião que os transportou se chamava CONSTITUIÇÃO, e a organização desse vilarejo era surpreendente, tudo funcionava com perfeição.
Quando chegaram no hotel de nome AMPARO, que pertencia ao Ministério da Seguridade Social, foram recebidos por um senhor muito elegante e instruído que cuidava de todas as instalações e do funcionamento do estabelecimento. Estava encarregado de toda a RESPONSABILIDADE, tanto da estadia dos hóspedes como dos DANOS que os visitantes pudessem causar ao hotel.
Uma vez realizado o CONTRATO de hospedagem correspondente, que estabelecia todos os DIREITOS quanto os DEVERES a que se submetiam os hóspedes, subiram para o quarto e assim começaram suas férias.
Quando estavam em sua acomodação, escutaram batidas na porta – era o concierge do hotel que lhes entregava a CARTA MAGNA para que não existisse nenhum tipo de confusão com respeito ao funcionamento do estabelecimento. Passaram-se os dias e chegou o momento do retorno para casa – tudo estava acontecendo conforme o planejado.
Nesse momento, a cortina gigantesca se fechou e as luzes foram se enfraquecendo. O silêncio se tornou sepulcral. Parecia que a sala havia paralisado com a imagem que, ao se abrirem novamente as cortinas, apareciam em cena a mãe chorando e a criança desconsolada. No centro do cenário, encontrava-se o caixão que continha o corpo sem vida do pai, que de uma forma súbita havia falecido como consequência de uma parada cardiorrespiratória.
O que até aquele momento tinha sido motivo de alegria por ver essa FAMÍLIA tão feliz se transformou em um pesadelo para toda a plateia.
A cortina se fecha novamente.
No terceiro ato aparecem a mulher e a criança sentados na sala da casa e, por detrás das cortinas, da escuridão, numa forma sombria e encolhida, surge a imagem sinistra e clandestina do jardineiro. Com um sorriso irônico, manifesta à senhora que, no momento em que ela pretendia o benefício que a SEGURIDADE SOCIAL lhe outorgaria de PENSÃO POR MORTE do marido, este empregado considera que o benefício deveria ser compartilhado com ele, dado que este personagem alega ter mantido uma união estável com o falecido.
A senhora, indignada pelas alegações deste funcionário cruel e fraudador, responde da seguinte forma:
“Se o senhor pretende algo de mim, o único que vai receber é uma CARTA DOCUMENTO te dispensando de suas tarefas, e também lhe digo que com uma simples DECLARAÇÃO não se confirma uma UNIÃO ESTÁVEL. O senhor está caluniando a memória de quem em vida foi meu marido.
Em segundo e muito importante plano, fica muito claro que sua postura ridícula o coloca numa triste, absurda e pobre situação de AMANTE, e isso apenas caso o que foi expresso seja verdade, algo que duvido muito, conhecendo o meu marido de forma que apenas eu o conhecia. Cabe lhe esclarecer que essa figura não recebe nenhum tipo de BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, e sim apenas tentar manchar a HONRA do meu falecido esposo.
O senhor está invadindo o DIREITO PERSONALÍSSIMO do meu marido falecido recentemente. A PESSOA HUMANA que o senhor pretende PREJUDICAR na sua INTIMIDADE PESSOAL ou FAMILIAR, HONRA ou REPUTAÇÃO, tendo a sua DIGNIDADE PESSOAL desprezada. Dessa forma, a partir desse momento o senhor está despedido das funções que nesta casa desempenhava como jardineiro.”
Fecham-se novamente as cortinas e, como corolário, aparece um senhor muito velhinho, alegando que, nesse povoado chamado DEMOCRACIA, o mais importante era defender a DIGNIDADE HUMANA e, acima de tudo, o respeito e a HONRA.
Assim se terminou a obra com a satisfação de haver presenciado um trabalho que me deixou como moral. O AMANTE, apesar de ser esse personagem obscuro, oculto até o falecimento do terceiro, sinistro, mal visto pela grande maioria das sociedades, não apenas pretende DIREITOS, como também destrói a imagem do falecido – ou seja, destrói o título da obra A HONRA.
*Ricardo Bepmale é advogado e procurador de justiça na Argentina
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